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15 de dezembro de 2009 —

Confecom: sociedade civil de mãos atadas

Representantes do poder público e do empresariado na abertura da Confecom

Representantes do poder público e do empresariado na abertura da Confecom

Pela primeira vez no nosso país, uma conferência na área da comunicação está sendo realizada. Reivindicada veementemente por movimentos sociais e entidades que atuam na luta pela democratização da comunicação, a Confecom é uma conquista histórica. Mas até que ponto podemos legitimar um processo amarrado, no qual o segmento empresarial chantageia e impõe suas demandas? Quais são as alternativas para a sociedade civil nesse cenário?

Nos bastidores do primeiro dia da Confecom, 14 de dezembro, um novo golpe se desferiu. O governo nacional mais uma vez demonstrou sua opção de não enfrentar o poder dos oligopólios da comunicação. Cansada de ceder, e vendo a finalidade da conferência ameaçada, a sociedade civil precisou definir sua estratégia: tencionar ou buscar avanços específicos dentro dessa conjuntura limitada.


O processo: embates na Comissão Organizadora

Três meses após o presidente Lula ter anunciado a convocação da I Confecom em janeiro deste ano no Fór um Social Mundial, compôs-se a Comissão Organizadora Nacional (CON) da conferência. Desde o início, o poder empresarial manteve sua postura histórica, impondo seus interesses corporativos. Após a chantagem exercida por esse setor, e do abandono da conferência por diversas entidades empresariais, a vontade dos dois únicos representantes remanescentes desse segmento prevaleceu: a composição de poder de decisão e número de delegados de 40% para a sociedade civil, 40% para o setor empresarial e 20% para o poder público, tanto na CON como na conferência em si. Isso significa que o empresariado recebeu o mesmo peso que toda a sociedade civil, cujos anseios deveriam ser a motivação e o objetivo das políticas públicas. Mas, ao menos nessas terras, historicamente não é assim que acontece.

Dessa maneira, o poder público, apesar de ser minoria nessa divisão do poder de decisão, é o ponto chave para definir quais dos dois outros segmentos prevalece. E, apesar de haver de fato convocado a conferência, demonstra claramente não optar por enfrentar os abusos de poder e a falta de regulamentação e fiscalização no setor das comunicações. Basta observar os fatos para percebê-lo.


AI – 8: precarização do processo democrático

Às vésperas das conferências estaduais, os empresários exigiram a implementação da resolução 8, apelidada de “AI -8” por entidades da sociedade civil. Tal medida definiu mudanças já nos estados: a extinção da votação de propostas nas plenárias finais, que resultou no encaminhamento direto de todas as propostas estaduais diretamente para a etapa nacional sem passar por debate, e a implementação de um processo peculiar – as questões polêmicas passaram a ser consideradas “tema sensível” e necessitam de quórum qualificado (60% + 1 do total de votos) para serem aprovadas. Essa resolução foi apresentada como premissa para a continuação da Associação Brasileira de Radiodifusores (ABRA) e da Telebrasil – Associação Brasileira de Telecomunicações no processo, as únicas representantes do empresariado na CON.

Na prática, a resolução definiu que para encaminhar propostas para a etapa nacional não era mais preciso construir coletivamente – valoriza-se a vontade individual em detrimento da construção colaborativa. Implica também no impedimento prático de avanços que não interessam ao segmento empresarial: mesmo com o consenso da sociedade civil e do poder público, ainda seria necessário um voto do outro setor para validar as propostas “polêmicas”. Entre elas estão o direito de antena às rádios comunitárias, o controle social de conteúdo, a universalização da banda larga estatal e gratuita e a regulamentação do artigo 221 da constituição que estabelece cotas para a produção regional e independente e limita a publicidade na programação.

Os representantes da sociedade civil na Comissão Organizadora argumentam que os acordos foram necessários para garantir a conferência, que só teria legitimidade com a participação dos três segmentos. Já o governo nacional cede às pressões empresarias e age como interlocutor na defesa desses interesses com a sociedade civil.

O último (ou mais recente) golpe

Enquanto todos esperavam a abertura oficial da Confecom, que iniciou com mais de duas horas de atraso, uma reunião da CON se dava nos bastidores. Aos 45 minutos do segundo tempo, a ABRA ameaçou se retirar do processo novamente. Como preço para sua permanência, exigiu a extensão de “tema sensível” aos Grupos de Trabalho, sendo que anteriormente estava previsto somente para a plenária final.

Pela manhã, tal medida já havia sido votada e o intento da ABRA derrotado. Mesmo assim, uma nova reunião foi convocada para discutir o mesmo tema. Com o poder público pressionando para que a proposta empresarial fosse aceita, a sociedade civil teve que reagir ao imprevisto. A única saída seria classificar essa reivindicação como “tema sensível” que, por tanto, precisaria ser aprovada com quórum qualificado, que exige voto de todos os segmentos, o que inviabilizaria sua aprovação se o campo popular estivesse unificado. Contudo, entidades da própria sociedade civil votaram contra: a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação e a Associação Brasileira dos Canais Comunitários (ABCCOM). Como a votação se deu por maioria simples, a ABRA consolidou sua intenção.

Plenária da sociedade civil

Plenária da sociedade civil

Ao término da cerimônia de abertura, a sociedade civil reuniu-se em plenária para expor o ocorrido e tentar apontar caminhos. Rosane Bertotti, secretária nacional de comunicação da CUT, defendeu a postura da entidade. “Muitas reuniões foram feitas, houve bastante negociação para que a Confecom acontecesse. Fizemos as concessões com responsabilidade política, e se não tivéssemos feito isso hoje nós teríamos implodido a conferência”, argumentou.

Contudo, outras entidades da CON não concordaram com a estratégia adotada. “Se querem nos calar no grito, no golpe, na rasteira, nós temos que dizer não”, apontou Lurdinha Rodrigues, da Rede Mulher e Mídia. A reunião foi tensa, e diversas entidades se manifestaram. Bia Barbosa, integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, defendeu que “a sociedade civil tem que se unir para derrubar esse quórum sensível nos GTs, porque essa medida impedirá que aprovemos as propostas construídas até agora”.

A sociedade civil terminou o primeiro dia da Confecom com muitas incertezas e tendo na pauta do dia seguinte a aprovação do regulamento interno e o início dos trabalhos nos grupos. Vale destacar que apesar da postura dos representantes do poder público na CON, há diversos setores desse segmento abertos ao diálogo progressista. Também entre os empresários encontram-se companheiros de veículos alternativos dispostos a construir avanços. Em meio ao caos, existem possíveis caminhos – o risco está sempre presente, mas o êxito depende de um tênue equilíbrio entre coerência e articulação. Há de se roer a corda.

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