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26 de agosto de 2010 —

Falso Cognato

Vi as costas dos seus joelhos hoje, linha a linha da erosão das suas dobradas de pernas, suas digitais, todas elas eu fiz nascer, as riscava com as unhas quando discutíamos, sentados frente a frente, pouco a encarava, descrente da própria defesa meu cérebro empreendia fuga, ocupava-se de marcar as linhas que contavam os meus dias cumpridos de pena, e eram tantos que reconheceria as costas dos seus joelhos em qualquer perna do mundo.

A contraprova eram os ombros, também nus como os seus sempre estavam, mas aqueles não eram seus. Uma impostora amadora que copiara com perfeição os seus joelhos, mas esquecera-se dos ombros. Ou talvez não estivesse pronta, e se lhe tivesse visto o rosto, este denunciasse a cópia exata do seu nariz e boca, mas os olhos ainda por fazer, talvez um seu e outro dela, e o cabelo, um loiro que o seu gosto não admitiria. Não fosse eu o fugitivo, ajudaria-a, e a faria tão você quanto você era, e a levaria aos cineclubes como íamos as sextas, e outros lugares, e treparíamos nas poltronas do fundo, no carro, na sua garagem, na varanda, mas não seria igual, você foi a primeira, e eu passei uns tempos na capital, estive com outras. Mas você sempre me deixa inseguro, talvez isso faça parecer que é a ainda a única, e eu continue sendo desajeitado, incapaz de tanta simultaneidade, ainda não consiga beijá-la e penetrá-la ao mesmo tempo, mesmo porque pouco beijei as moças da capital, e nem garanto que tentei fazê-lo, nem nunca lhes toquei as costas dos joelhos
.
Então um dia ela esqueceria a porta aberta, ou a deixaria de propósito, iria a cozinha buscar um copo d’água, ou ao banheiro, ou a lavanderia, e eu acharia ai uma rota de fuga, saindo sorrateiro. E por uma semana o telefone ficaria mudo, pois você é orgulhosa, mas ligaria depois afim de alguma explicação, que eu não saberei dar então não atenderei, e só o ouvirei tocar, e tocar, até que toque tanto que eu me acostume, e só perceba que tocava porque parou, e sentirei alivio como a gente sente quando a geladeira para de fazer o barulho que já nem se notava. Mas talvez não seja assim dessa vez, talvez ela seja melhor que você, tão melhor, que um dia a prendam ou até a matem por engano, achando que a impostora é você. Aí eu volto a contar os dias nas suas paredes, quatro linhas verticais cortadas por uma diagonal, e quando acabarem as costas dos joelhos, passe para os próprios joelhos, e depois risque a sua testa, e o canto dos seus olhos, e reforce as linhas que ligam o canto do nariz ao da boca, e de pouco em pouco inunde a sua pele toda, até que não tenha mais espaço para linhas, então cumprir-se-á a perpetuidade a qual tu me condenaste, e aí a morte nos separa, ficando assim, metade vivo, metade livre.

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