Rage Against the Machine no SWU, um coito interrompido
Um dos shows que mais esperei na vida. Foi a primeira vez que o Rage Against the Machine (RATM) veio para a América do Sul e a expectativa era muito grande. Uma pena que o show não tenha correspondido a expectativa. Essa opinião, não é pela performance do RATM no palco, claro, mas pela sacanagem que foi a organização de uma super produção dessas.
Quando anunciaram que o RATM iria tocar no Brasil, não pensei duas vezes, comprei meu ingresso já no primeiro lote e nem sabia que eles iriam fazer o show num festival, muito menos um festival ecocapitalista sustentável. A ansiedade era tanta que só via na frente a possibilidade de ver uma das bandas mais contestadoras do metal moderno. O grande dia chegou, e eu havia me posicionado, com minha linda namorada, num local que era razoavelmente bom e que conseguiria ver Zack de La Rocha, Tom Morello, Tim Commerford e Brad Wilk num show que era pra ser antológico. Era.
Antes de que o Rage subisse ao palco avisei minha namorada: “você terá que pular meu amor, porque a galera vai pular muito”. Até aí, nenhuma novidade, estava disposto a pular como em nenhum show. Mas ao soar o primeiro acorde, a multidão enlouquecida começou a pular e a pressionar em direção ao palco como um rolo compressor. Não importava quem estava na frente. A pressão era tanta que a diversão em pular ouvindo Rage se transformou em desespero pelo medo de sermos pisoteados. No mesmo momento a luta, antes para se posicionar para ter um bom lugar para ver o show, foi transformada num exercício quase que homérico para sair pelos cantos e evitar a pressão causada pela massa de gente. Finalmente, conseguimos nos posicionar ao lado de uma geladeira de cerveja onde os ânimos estavam um pouco mais calmos. Resultado: estávamos bem mais longe do palco, mas pelo menos nos sentíamos mais seguros.
Não demorou muito para que o show fosse interrompido pela situação. A pressão foi tanta que a grade de contenção na frente do palco foi derrubada e Zack, no microfone, pediu calma e avisou que só continuaria o show se “cada um que estivesse ali cuidasse um dos outros”. Parece que agora conseguiríamos aproveitar o resto do espetáculo e eis que no meio de “Settle for nothing” um apagão cortou totalmente o som. Os músicos se ouviam no palco, porque a performance não parou, mas o público de 48 mil pessoas na arena Maeda levantava os braços cobrando que alguma providência fosse tomada. O som volta e na música seguinte, a mesma coisa, apagão das caixas principais. Pensamos que o show acabaria ali. Vinte minutos de água fria e Zack fala no microfone: “check check check…”. O som havia sido restabelecido.
Depois das várias interrupções, o show foi até o final, mas já sem o tesão da expectativa que as preliminares que me levaram até aquele dia a arena Maeda. Fico triste, por um lado, e espero ver ao menos mais um show do RATM na vida. Fico indignado, por outro, e culpo os organizadores do festival SWU, que investiram milhões de reais naquela estrutura, e deixaram uma coisa dessas acontecer. Algumas causas podem ser apontadas. Privilegiou-se a mídia e não o público. A produção midiática do evento preferiu garantir uma barraca de produção de televisão no meio da plateia, tirando ao menos 40 graus do arco da visão central do palco (e que conseguiria distribuir melhor espacialmente o público). Quem via sentado no sofá contava com ângulos de mais de 100 câmeras espalhadas em terra, palco, gruas e a tal barraca central. Quem via da plateia deveria se contentar com o seu ângulo lateral, disputado quase que a tapa, ou ver pelos telões instalados.
O pior é que nem pelo próprio telão pude ter uma visão completa do evento. Fiquei sabendo, um dia depois, que Tom Morello havia tocado “Wake up” vestindo um boné do MST. Isso teria me deixado muito satisfeito, mas as câmeras do SWU cercearam essa imagem sem nenhuma explicação plausível. Eu tenho uma desconfiança: O produtor do evento, Eduardo Fischer, é um mega publicitário brasileiro e sua agência atende nada mais, nada menos, que a Monsanto, a maior fabricante de sementes transgênicas no mundo (e a principal inimiga de movimentos sociais que lutam pela liberdade genética das sementes e da vida, como o MST). Minha namorada questionou se não era muito “teoria da conspiração” da minha cabeça pensar que o SWU teria excluído essa imagem de forma arbitrária e sistemática, pois era muito difícil que naquela hora houvesse um editor que pudesse dar tal ordem. Esse argumento é muito bom e é igualmente possível que possa ter havido uma série de coincidências que permitisse aquele fato, ao invés de uma “ação politicamente orientada”. Mas será que não poderia haver também a possibilidade de alguém da produção ter a informação de que Tom Morello tomaria essa atitude e a ordem fosse dada a equipe da central de TV antes? Fica a dúvida difícil de provar.
O fato é que a rede Globo, emissora que estava transmitindo com exclusividade o SWU, cortou sua transmissão numa certa altura do show com a alegação de que o caos que se instalou durante o show não permitiu a emissora continuar com os trabalhos. Ao mesmo tempo, as imagens de telão não reproduziram, ou não deram atenção, ao fato de que Tom Morello vestia o boné do maior movimento social do Brasil e da América Latina. São muitas coincidências.
É uma pena, Rage Against the Machine, na minha opinião, fez um dos mais importantes shows para o público brasileiro no lugar errado. Para mim, fica a sensação de indignação com o festival e a vontade de que um dia eles voltem para o Brasil. Eu já comecei a campanha, Rage Against the Machine no Brasil e no Fórum Social Mundial 2013, para que meu coito, e de milhares de outros que se indignaram como eu, não seja novamente interrompido.
Valeu o espetáculo
Mesmo não tendo sido o melhor show que ele poderia ser, a performance do Rage, e o espetáculo em si, foram muito bons. Vale lembrar o memorável hino da internacional socialista para abrir a música “Freedom” e as mensagens de apoio ao MST pronunciadas por Zack na abertura de “People of the sun”. Reza a lenda também que o MST recebeu parte do cachê daquele show. Se foi, tá ótimo! 🙂
Contradição nada sustentável
Gostaria de recomendar outro texto para sua leitura que expressa bem a contradição em se utilizar a imagem da sustentabilidade como ferramenta de marketing. O texto da Silvia Dias da revista sustentabilidade intitulado “SWU expõe as contradições de quem vê sustentabilidade como oportunidade de marketing” expressa quase todas as minhas opiniões sobre o “festival sustentável” de Itu. Só anexaria a essa discussão, puxada pela Silvia, a questão de que é impossível se ter qualquer ação que preze pela sustentabilidade, que tenha como pano de fundo o incentivo ao consumo. Para quem esteve na arena Maeda neste dias perceberá que era exatamente isso que os patrocinadores do evento pregavam. Não é a toa que o evento todo produziu 30 toneladas de lixo, sendo 12 toneladas só de latinhas. Se boa parte desse material será reciclado, ótimo, mas a verdade é que não basta reciclarmos sem pensarmos em modificar nossos hábitos de consumo. Se produzirmos mais lixo do que conseguirmos reciclar, o mundo continuará a ser emporcalhado pela ação humana. Numa sociedade capitalista a conotação da palavra “desenvolvimento” é totalmente antagônica a palavra “sustentável”.
Um ótimo festival de música
Mesmo com os vários erros de organização, o festival SWU se mostrou um ótimo festival de música. Tirada a hipocrisia do blá blá da sustentabilidade, que na verdade foi usada como mera ferramenta de marketing, o festival foi um bom festival e com ótimas atrações. A pontualidade da programação foi o principal ponto positivo do evento, o que não é fácil se encontrar para um festival deste tamanho. As atrações escolhidas também foram muito boas, faltou o pessoal da programação acertar o diálogo entre os vários estilos, o que parece que vai acontecer na segunda edição com os dias temáticos. Contudo, mesmo admitindo que existiu algo de bom neste festival, dificilmente estarei na sua segunda edição por uma questão de princípios. Saber que o tal Eduardo Fischer é publicitário da Monsanto, e este mesmo defender a causa da “sustentabilidade”, deu-me um asco difícil de segurar. Mas a gente também é tão contraditório que é difícil afirmar que seria impossível não estar no festival, ainda mais com a possibilidade de ver Alice in Chains. A verdade é que se formos pensar a fundo, quase nada de nossa ação diária conseguiria se concretizar sem topar com “Eduardo Fischers” e outros barões que colaboram pra ideologização do consumo pelo consumo. Resta-nos ter estratégia para combatê-los e saber muito bem com quem estamos lidando, desmistificar a aparência para perceber a essência, e isso só se faz indo fundo no sistema. Em outras palavras, lembrando novamente Rage Against the Machine, KNOW YOUR ENEMY!
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